
Aqueles que querem se tornar professores precisam acreditar nas crianças.

"Quando eu era jovem, tinha o sonho de ir para o exterior. Sempre tive esse sonho: Sair da ilha.
Quando eu optei por trabalhar com educação eu sabia que, financeiramente, minha família não poderia arcar com os meus estudos do Ensino Superior. Eu queria ser professora de Educação Física, mas sabia que as questões financeiras não me permitiriam seguir essa formação. Então eu finalizei o Ensino Médio e comecei a trabalhar no escritório da escola que eu tinha estudado e fiquei 18 anos trabalhando lá.
Quando eu tinha 23 anos, teve um campeonato de vôlei e pela primeira vez eu pude sair de Okinawa. Entrei num barco, fui até Kagoshima, e depois de trem até Tóquio. Foi a primeira vez que eu saí da ilha. Nessa época, Okinawa ainda não era parte do Japão, eu fui como representante de Okinawa e não como japonesa. Então era uma viagem internacional. Quando eu saí, percebi que Okinawa era muito atrasada, fiquei surpresa com esse atraso.
Quando voltei para Okinawa, eu casei e tive 5 filhos. Nessa época não existiam creches aqui. Então eu decidi montar uma creche. Em 1971, entrei com o processo para montar essa unidade. Fiz isso porque me senti em apuros, não tinha onde deixar meus filhos e precisava trabalhar.
O que me mantém trabalhando todos esses anos é a alegria de criar e educar as crianças. É a alegria de criar uma cidade fácil de conviver. Isso me move. Cuidando dessas crianças, eu estou ajudando os pais e também estou criando funcionários, orientando as pessoas para que elas seja capazes de cuidar e educar essas crianças. E fazer isso é uma alegria para mim.
É nisso que eu penso todos os dias: que educando as crianças, os funcionários e os pais, eu estou construindo uma cidade melhor.
Quando eu era criança não gostava muito de estudar. Mas minha experiência com a escola é muito única. Eu tinha 7 anos quando a guerra começou, então eu fui educada antes disso. Depois que a guerra acabou eu poderia voltar a estudar, mas isso não aconteceu como deveria, porque eu não tinha dinheiro. Nossa família não tinha roupas e alimentos, então eu praticamente não estudei. Eu trabalhei muito.
Isso é uma característica daqui. As pessoas sofreram muito. Quando a guerra acabou, nós não tínhamos o que vestir. Então a nossa educação era para o trabalho.
Eu não me lembro de estudar, eu trabalhei.
Mas eu tive um professor que marcou muito a minha história. Quando a guerra começou, ele era muito preocupado com a nossa segurança. Ele treinava técnicas de evacuação com a gente. No dia 10 de outubro um avião bombardeou a cidade toda. Ele veio para a classe com um relógio e disse: "Não se esqueçam desse dia. Hoje nós vamos colocar em prática tudo que aprendemos. Tomem muito cuidado, porque agora o perigo é real."
Nós nem estávamos mais na escola. Estávamos em um pequeno escritório na vila. A escola já havia sido devastada.
Nesse dia eu entendi o que é ser professor: É valorizar cada vida. É se preocupar com cada aluno. É nisso que eu penso hoje. Eu estou numa creche e os pais confiam a vida dos seus filhos a mim. Eu recebo essa vida em minhas mãos e é isso que me move. Ser professor é ser responsável por essas vidas.
Quando eu era criança, um dos meus colegas de classe tinha problemas mentais. O professor sempre indicava um colega para acompanhá-lo até sua casa. Mas esse colega tinha problemas para conter urina e fezes e às vezes não se segurava no caminho de casa. Pois bem, mesmo tendo indicado alguém para acompanhar o garoto, nosso professor ia atrás dele e do amigo, limpando as ruas.
Até hoje eu defendo que as crianças especiais devem estar junto das demais, para que as outras crianças possam aprender como lidar, para que saibam como cuidar do amigo que precisa de ajuda. Acho que minha missão como educadora é essa: integrar as crianças que tem necessidades especiais e educar as demais para viver com elas. É desenvolver esse "se importar com o próximo".
Eu acredito que tudo que eu ensino e ensinei, eu aprendi com essa dedicação do professor que tanto se preocupou conosco na época da guerra. Com ele eu aprendi que cada vida importa.
Okinawa é um país ilha. Quando eu penso em educação, penso que seu papel fundamental é ampliar os horizontes. A educação ideal é ampla. Existe uma música que eu gosto muito, ela diz que apesar o céu é muito amplo e que não importa em que terra estejamos, sempre podemos ver o céu.
Todo ano, no dia das mães, fazemos questão de cantar uma música que diz que a mãe é o espelho da casa. Quando eu comecei a creche, muitas crianças tinham perdido seus pais na guerra. As mães tinham qua assumir muitos papéis. Por isso, faço questão de valorizar as mães.
A creche é vista por muitas pessoas como uma extensão da casa. Muita gente pensa que é um lugar onde nós passamos o dia brincando com as crianças. Mas não é bem assim.
Como eu estou há muito tempo aqui e já tenho mais de sessenta anos, as pessoas acham que eu aguento esse tempo todo porque meu trabalho é fácil, porque eu passei a vida brincando com crianças e não trabalhando. Nunca ninguém me disse isso, mas eu sinto. Sinto que muitas pessoas acham que meu trabalho é só isso: brincar com crianças. Por outro lado, eu acho que as pessoas confiam muito em mim como educadora. Elas me entregam seus filhos e sabem que podem deixá-los em minhas mãos, porque nada de mal vai acontecer com eles.
Em resumo: Os pais olham pra mim e enxergam uma pessoa responsável e confiável, capaz de cuidar dos filhos deles, mas que, de certa forma, fica brincando com as crianças o dia todo.
Nós sabemos que não é apenas isso.
Eu espero que essas crianças que eu educo sejam pessoas que contribuam com a sociedade. Não tenho a expectativa de que sejam ricas ou que se tornem médicas ou empresarias, não me importo que tenham profissões de destaque. Basicamente, quero que elas consigam usar suas habilidades, que consigam aplicar tudo que sabem no trabalho que realizarem. Mesmo que realizem serviços básicos, que elas consigam fazer isso com as habilidades que desenvolveram, sendo independentes. Espero apenas que eles sejam cidadãos, que sejam bons para a sociedade em que vivem.
As pessoas que querem ser professores precisam acreditar nas crianças. Essa é a minha mensagem: não importam as condições, acima de qualquer coisa, é preciso amar as crianças e e acreditar nelas."




