
É a dimensão da importância do nosso trabalho que nos faz continuar.

"Entre os motivos que me levaram a escolher ser professora, há um certo comodismo. O colégio que eu estudava já oferecia o curso de magistério. Mas isso era uma coisa que eu já ouvia muito. Minha mãe sempre repetiu: 'professora, professora, professora'. Hoje eu penso e vejo que não saberia fazer outra coisa. Quando uma criança lembra de você depois de muitos anos, quando outra criança consegue dar um passo que não conseguia, quando você vê sorrisos diante das descobertas, é isso que faz a gente querer continuar. São pequenas coisas como, ontem mesmo, um aluno meu que tem problemas de aprendizagem leu uma frase inteira, de um texto totalmente estranho para ele. Só aquela frase, aquela conquista dele, faz valer a pena todas as noites em claro, brigando com a impressora.
Eu continuo acordando todos os dias porque gosto. Gosto de ser professora, de preparar aulas, tenho paixão por isso. Adoro a sensação de me pegar pensando em tudo que eu posso fazer por cada um dos meus alunos. Hoje, eu me vejo muito mais estudando sobre crianças, as teorias da aprendizagem acabam ficando para trás. Nós nos vemos investindo no social, nos aspectos mais básicos, como saber se a criança está alimentada, como são as condições de vida. Mas sabemos que, apesar de tudo, o que importa no final do ano é que essa criança tenha aprendido. Eu faço tudo que posso. Já me peguei comprando sulfite, levando lápis e outros materiais de casa. Tudo para dar continuidade a esse processo. Percebo que professores de escola particulares têm menos preocupações como essas, são outras prioridades, mas essa dedicação é igual.
É difícil encontrar espaços de trocas. Eu tento participar de congressos temáticos, mas por interesse próprio. Muitos professores não se envonvelm com nada fora da sala de professores, então ficam sem espaços para discutir as próprias práticas. Especialmente porque existem todos esses procedimentos que impedem que você vá. Todas as burocracias e horários que dificultam a presença em eventos externos. Se você falta, não é um dia de trabalho, não tem quem te cubra. Para ir num congresso é uma canseira. Quando eu chego lá, sinto que precisava disso todo dia, que eu não estou sozinha no mundo, que tem muita gente pensante. Mas essa é uma situação muito especial. Se fossem oportunidades mais frequentes, seria ótimo. Mas é sempre uma mesma pessoa que vai. Nós somos muito resistentes à mudança. Existe muita solidão na prática.
Acho que isso é porque muitos professores não se enxergam como profissionais. Nos professores precisamos entender que, antes de qualquer coisa, somos trabalhadores assalariados. Somos pessoas formadas para exercer uma prática, precisamos conquistar condições de trabalho para que as escolas não se transformem em depósitos de criança ou em apenas mais um lugar para elas ficarem e para que nós tenhamos o respeito que merecemos. Não somos bem aventurados, somos trabalhadores.
Quando a gente diz que é professor, muita gente pensa que a gente não trabalha, só dá aulas. Como se dar aulas para criancinhas fosse fácil. Eu sou de uma geração diferente de agora. Eu me sinto professora em qualquer aula, com qualquer idade. Eu me imponho enquanto professora.
É preciso entender que é uma profissão, não um sacerdócio. Falta a própria categoria perceber que é assalariado. Você pode até ser um pensador, mas é assalariado. É preciso que haja a identidade entre esse professor profissional e o pai trabalhador. O pai também olha pra gente com essa cara de 'coitada!' porque nós temos essa dificuldade de nos localizar na sociedade. É preciso que o professor se identifique como trabalhador, para que possamos buscar nossos direitos. Enquanto isso não acontecer, ficamos nesse limbo.
Falar que é professor não é mais sinônimo de status, acho que antigamente era. Hoje, é mais um olhar de carinho, de lembrar que ele teve uma professorinha um dia. O respeito não é com a minha profissão, é com uma nostalgia. O que passa é a sensação de que a gente é coitado, que apanha em sala de aula, ou que bate em aluno. Uma pessoa sem controle emocional. Aquela figura de mestre não existe mais.
Eu penso que a questão estrutural impede muito a autonomia dos grupos de professores. Você está sempre sujeito a avaliações externas à sua realidade. Você não tem que responder, você tem que corresponder àquilo. Você tem que apenas conquistar um objetivo que, na maioria das vezes, não é seu. Você tem que preparar o aluno para aquilo, e coisas muito mais importantes são deixadas de lado. É uma diminuição da fluidez de formas de fazer. Você é avaliado como um mal professor se você não corresponde a padrões que estão distantes das suas práticas, da realidade da comunidade.
Para mim, a escola do futuro, decide por si. Nós já tivemos isso, essa autonomia de resolver os próprios problemas. Que vontade de mudança os professores têm quando eles precisam apenas dar conta de uma apostila pronta? É diferente do professor pesquisador, que pode decidir os caminhos para atingir os objetivos. Eu tenho conversado com professores mais novos, é tudo muito difícil pra eles. Todas as coisas que eles aprenderam que seriam importantes e necessárias não podem ser aplicadas, tudo depende do tipo de avaliação pelo qual eles vão passar. Se resume a isso.
Mas se alguém quiser ser professor, eu digo, 'vamos sim!'
Tem que ir a luta. É preciso ter estrutura, e querer a mudança. Agora se você não tem certeza, vá trabalhar em outras áreas, porque é uma área que adoece. Quem fica não fica por comodismo, ou pelo salário. Fica pela criatividade, pela dimensão da importância do seu trabalho, que é imenso."




